UMA MENSAGEM A GARCIA
- paulochedid
- 12 de nov. de 2019
- 6 min de leitura
Ninguém sabia por onde andava Garcia, o líder da revolução. Talvez em alguma fortaleza no sertão cubano. Não havia meio de comunicação que chegasse perto de Garcia.
Irrompeu a guerra entre Estados Unidos e Espanha. Garcia era fundamental e sua colaboração significava a vitória com ele ao lado ou derrota na sua ausência.
Finalmente alguém lembrou que havia um sujeito capaz, um tal Rowan. Somente ele, Rowan poderia alcançar Garcia, em qualquer lugar.
O Presidente dos Estados Unidos mandou buscar Rowan e assim que chegou já lhe entregou uma carta e mandou que entregasse a Garcia.
Rowan apanhou a carta, meteu-a num saco impermeável, amarrou-a ao peito e depois de quatro dias saltou de um barco sem cobertura, de madrugada em uma praia cubana. Três semanas depois, Rowan estava do outro lado da ilha selvagem que havia atravessado a pé, a cumprir ordem do Presidente MacKinley.
Rowan havia recebido a carta sem saber do conteúdo. Para ser entregue a alguém que não conhecia. Sem a menor ideia de onde Garcia estava. Ao guardar e proteger a carta no peito, só cuidou de cumprir sua missão. Nada perguntou. Nada mais lhe foi dito.
Com o tempo, o herói Rowan mensageiro que tudo cumpriu, foi dando lugar a Garcia no imaginário dos que nunca leram, mas ouviram falar de uma história que tinha um tal Garcia e uma mensagem que deveria ser entregue.
A missão de Rowan o obstinado cumpridor do dever, se passa em uma Cuba dos fins do século XIX ainda selvagem, que se tornou conhecida porque havia uma revista “Phillistine” que resolveu publica-la, discretamente sem título, sem assinatura do autor Elbert Hubbard que começou a receber pedidos de reedição.
Hubbard conta que publicado em separado da revista Phillistine, o folheto chamou a atenção de George Daniels da Estrada de Ferro Central de Nova Iorque que mandou fazer 100mil folhetos. Em pouco tempo, as reedições já somavam quase 2milhões de folhetos.
Jornais e revistas reproduziram em uma infinidade de lugares e idiomas.
No Japão, o folheto foi encontrado com um soldado russo feito prisioneiro durante a guerra e a história vertida para o japonês teve uma tiragem de milhões de folhetos a pedido do próprio Imperador.
“Não é de sabedoria livresca que a juventude precisa, nem de instrução sobre isto ou aquilo. A juventude precisa de endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altivo no exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para levar a mensagem a Garcia.”
O folheto, que guardo com carinho, me foi dado pelo Chefe, porque era assim que chamávamos João Pedro de Carvalho Neto.
Nos conhecemos de forma inusitada. João Pedro Reitor da Universidade Mackenzie. Eu aluno da Faculdade de Direito e havia me desentendido com o professor de Direito Comercial.
Durante uma prova de Comercial, um companheiro teve um surto epilético. Alguns de nós correram a socorrer e o retiramos da sala de aula. Ao tentarmos voltar, fomos impedidos pelo mestre.
No intervalo procurei o professor para pedir que nos fizesse uma prova em separado, aos que saíram da sala, incluindo o aluno que havia passado mal. A reação foi uma explosão de irritação, negativa de nova prova ou qualquer argumentação de conciliação.
Não sei que ano era. Só lembro que era pós 1964 e antes de 1969. Cabiam cautelas necessárias.
Fui à 4ª Zona Aérea com hora marcada, documentado, incluindo o manifesto que publicamos para conhecimento geral, e me expliquei. De lá trouxe uma carta para o Reitor, no caso João Pedro de Carvalho Neto que não facilitou. Não defendeu o professor, mas censurou com energia termos chamado o Dr. Philomeno Joaquim da Costa de “mestre” entre aspas. Nunca mais fui aprovado pelo Dr. Philomeno, e só passei quando examinado por outro Mestre.
Certa vez, nas areias das Pitangueiras do Guarujá, cruzamos em sentido contrário. Eu não era mais seu aluno. Ele já havia vencido a causa pela Igreja Presbiteriana contra o Mackenzie e era o Diretor do Direito. Eu não sabia o que fazer. Ele fez: saudou-me com aquele alegre sorriso de quem revê velho camarada.
Tempos depois, já na redação do Jornal da Tarde, João Pedro me chama ao telefone: “Tenho para você, Uma Mensagem a Garcia.”
Já estávamos avançados no trabalho do Fundo Estadual de Construções Escolares -FECE. A mensagem do meu peito não saia. Quem era Garcia? Eu zombava. As rádios em São Paulo anunciavam com insistência, “Garcia O Imperador da Moda”, um alfaiate afamado.
O Garcia me incomodava: “Chefe, essa Mensagem a Garcia, do que trata?”
Ganhei a mensagem que ainda guardo.
“A nenhum homem que se tenha empenhado em levar avante uma empresa, em que a ajuda de muitos se torne precisa, têm sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade de grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição de concentrar a mente numa determinada coisa e fazê-la.”
Os folhetos começaram a fazer sucesso em 1913. Antes da guerra que não evitou, a Grande Guerra de 1914/18, que só seria a 1ª Grande Guerra quando aconteceu a 2ª Grande Guerra. Mas as observações nunca deixaram de ser importantes. Um simples olhar ao redor, mesmo nos dias de hoje, nos mostra que Rowan ainda faria a diferença.
Ou deixamos de conviver com a “assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho mal feito.”
Erb Cruz, engenheiro oficial militar reformado servia a uma consultoria chamada Profit nos anos 80. Erb tinha pouca paciência com os preguiçosos medíocres, os distraídos desajeitados, indisciplinados arrogantes, inconstantes espertos, aproveitadores do trabalho alheio, com os incompetentes fracassados que nunca têm culpa alguma.
Erb contava a seguinte história:
Em um terminal de logística, dois funcionários, João e Antônio, concorriam à mesma vaga.
João, antigo de casa, irrepreensível; Antônio, jovem e participativo.
Temendo perder a corrida, João foi conversar com o chefe: “Pois é Dr Pedro, eu vi o senhor crescer, estou aqui desde os tempos do seu pai, vi o senhor formado. Fui ao seu casamento! A família vai bem?
Dr Pedro: “Um minutinho só João. Estamos esperando um carregamento de turbina de papel. Dá uma olhada nisso.”
João foi, não demorou muito voltou, pediu licença, próximo à mesa do chefe, quase em posição de sentido declarou: “Não se preocupe, o comboio está no horário.” “Como eu ia dizendo, trabalhei com seu pai. Uma pena. Perdemos um grande homem. Com quase 90 parecia um jovenzinho.”
Dr. Pedro: “João, veja lá o espaço para colocar a carga.”
Na volta, João ofegante, respirando cansaço: “Tudo em ordem! Mas, eu gostava muito do seu pai. Foi me buscar em casa para trabalhar com vocês.”
Dr Pedro: “Um instantinho só. Maria! (gritando) Manda o Antônio aqui. Já.”
João: “Parece que foi ontem. Aceitei na hora.”
Dr. Pedro, olhando Antônio, que acabava de entrar diz: “Antônio, estamos esperando um carregamento de bobinas de papel.”
Antônio, sem sair do lugar: “Dr. Pedro o carregamento foi verificado e embarcou como previsto, vai chegar na hora e sem problemas. A recepção está preparada, o estoque já reservou o espaço da frente para facilitar o reembarque para o comprador logo pela manhã.”
Dr. Pedro, olhando João em posição de sentido: “João, sobre o quê mesmo que estávamos conversando?”
No mundo dos algoritmos, das inteligências virtuais e outras inteligências naturais, quando sobram Antônio, choram os João.
Apesar dos estudiosos, dos universitários, dos pós-graduados, dos pospôs graduados, pospôs doutorados, Ph.D. em microcalo do dedo mínimo do pé esquerdo.
Apesar da informação instantânea; apesar das verdades aparentes e da mentira oculta; do celular e da Internet e das más línguas; dos E-mail e da calúnia; do Face e do Fake; do fato e da versão; dos interesses e das conveniências; da opinião pública e da opinião publicada; do Instagram dos políticos corruptos e do Twitter dos famosos; dos correios ou do WhatsApp que muitas vezes engana por querer querendo; da TV cheia de canais inúteis que pensa que o Garcia da história é inimigo do Zorro e que o Rowan foi um extraterrestre que gostava do Fidel.
Apesar dos pesares, sempre haverá espaço para os entregadores de cartas ao Garcia desconhecido, os determinados, produtivos incansáveis, objetivos, sensíveis ao tempo e espaço, ao ambiente, às causas e consequências, ao que importa, à realização do melhor desempenho inevitavelmente percebido por todos.
E esses espaços serão preenchidos por gente como você.
Ou Não?
Paulo Chedid
08 de novembro de 2019
5º aniversário do 2º infarto.
Tomei conhecimento desse texto ainda jovenzinha e ele me impactou.
Como era um folheto impresso, distribuído pelo Bradesco a seus funcionários, e que me havia sido emprestado, perdi a oportunidade de relê- lo. Até a chegada da Internet. Hoje o encontro, acrescido pelas inteligentes observações de um amigo.
Continuamos, talvez mais que nunca, precisando de quem entregue a mensagem a Garcia. Seja ele quem for e onde quer que esteja. A tacos a você e Regina.